Porque me fugiste? Ou será que
observas reclusa o tremor das minhas mãos quando pergunto por ti?
Consegues ver o meu chamamento? A música que me percorre em silêncio
és tu. Quando não encontro o teu olhar sinto o congelar mórbido
dos ossos. A folha em branco apresenta-se ao ser imortal que me
habita e exige, na sua lasciva sensualidade, que eu a faça viver.
Como posso criar se tu não apareces? Onde foste? Sentes o meu
sofrimento? Grito nos meus sonhos. Nada em mim é concreto sem ti,
tudo se desmorona quando não sinto o teu vibrar no meu centro
vermelho. Volta. Volta para sempre e nunca me abandones. Pois eu sou
imortal e és tu quem me faz viver.
18 novembro 2018
20 setembro 2018
primeiro passo
Caminhava com os olhos presos às
pestanas. Gritava ao sol para não entrar. Dentro do corpo o coração
esquecia-se do ritmo em que outrora dançava. A cada passo a raiva
seduzia o espírito cansado.
Com os dentes a esmagar o maxilar,
agarrou nas próprias mãos, amachucou-as, e coloco-as dentro dos
bolsos. Prosseguiu a caminhada no esquecimento do tacto. Antes de
chegar ao destino os pés deixaram de andar, um calor imprevisível
estalou a pele, despiu-se, reencontrou as mãos, colocou-as no chão,
abriu os olhos ao fazer o pino, sentiu a luz aquecer o coração que
retomava a sua dança, ao soltar os dentes sorriu, e retomou o
caminho, imersa na visão deslumbrante de um mundo visto ao
contrário.
22 junho 2018
Ao Pai
as lágrimas dançam em queda lenta
ouvem o respirar do teu pensamento
quando te entregavas à força vibrante
das óperas
vejo-te ainda
encostado sobre a pele velha da
poltrona
numa luta constante com as pálpebras
para onde ías
quando te rendias ao passar lento da
luz
através das cortinas amarelas de fumo
oiço-te ainda
a gritar a voracidade canibal do
passado
na firmeza altiva da tua postura
incrédula
nas tuas mãos
a força estoica da existência livre
vivia
abraçada ao medo do desaparecimento
lembro-me dos sorrisos nostálgicos
que te recriavam na lembrança dos teus
voos
eras imortal
as asas pendidas da tua força
continuam a pegar-me ao colo
sinto ainda
a ternura da tua existência
vivo em mim a tua imortalidade
perpectuando nas minhas costas o
renascimento da coragem de voar
13 junho 2018
a voz ressurge do barro
Há um tempo de readaptação que por
vezes parece afogar-me numa ampulheta sem areia.
Hoje senti que
reentrei na dança dos ponteiros, como se tivesse afinado o meu
compasso. A escrita volta a mim, como um amigo saudoso que nunca
esteve realmente ausente, apenas adormecido numa hibernação
essencial de maturação.
Toda a minha vida é escrever. Nada
mais importa, e mesmo no silêncio da musa sinto-a fervilhar na minha
alma. Tudo o que vivo, tudo o que vivi até este dia, este agora
mecânico que dita 13 de Junho de 2018, me tornou neste corpo
habitado por este espírito redesenhado pelas experiências passadas.
Sinto em mim a vida dos outros, a dança
de um bailarino, a voz lírica numa ópera, a morte de alguém amado,
o beijo dos apaixonados. E mais não vivo que a minha vida. Mas o que
é viver? Cada segundo que me trouxe até aqui, recriou a minha
existência como se vivesse na tela de um pintor, e eu respiro a
cada toque de cor que preenche o meu ressurgimento.
Afasto de mim os medos empaturrados,
vou deixá-los perecer de fome. O suco vital que me percorre apenas
pode ser entregue à arte, e para isso alimento-me do perpectuar
constante da roda que gira comigo ao sabor do cosmos.
Retiro das costas o peso das gárgulas,
e voo livre sobre um manto de ondas invisíveis que vibram ao sentir
o toque do meu corpo viajante. Nada me poderá fazer cair, pois a
queda é eterna, um salto lento pelo espaço.
01 novembro 2016
Vigília
Há um monstro que me saúda sempre que
acordo
é belo
e faz-me sentir a morte todos os dias
passeia o corpo quente sobre a minha
fragilidade humana
golpeia elegantemente a pele que em vão
protege os meus orgãos
a luz dourada das suas escamas cega-me
obriga-me a ver sem os meus olhos
sinto o peso insuportável do corpo
desejo a leveza da imortalidade
os meus músculos rasgam-se a cada
movimento
cientes da força apocalíptica da
existência
há um monstro que vive em mim
tenta matar-me todos os dias
quero abocanhar a sua imensidão
regurgitá-lo
e ressurgir
livre da sedução avassaladora do medo
11 setembro 2016
Evolução
nas bocas famintas são mastigados os
medos
até à queda dos dentes
proliferam pela ausência de palavras
corroem o esófago apodrecido onde a
saliva vital deixou de existir
quando o movimento do corpo deixa de
responder
à coragem da mente
apenas o arrastar acontece
e toda a matéria constituinte do ser
perece
16 julho 2016
04 julho 2016
Depois da morte
Uma esfera transparente cai sobre mim
a leveza extrema da sua beleza cega-me
desejo transformar-me na sua invisibilidade
preciso sentir a multiplicidade de cores que ela recorda
à minha volta circula uma conversa sem palavras
um som que me acaricia e conforta o corpo que perdi
tudo é perfeito e vil
a fome atormenta o espaço onde outrora vivia o meu sangue
na ausência da matéria vejo a densidade do vazio
sinto a revolta da saudade e afugento a tristeza que encobre o brilho daquilo que existe
uma esfera transparente cai sobre as minhas mãos e mata a minha fome
mostra-me como tudo permanece
ensina-me a ser infinita
volto a sentir o pulsar interior do ser
deixo-me invadir por saudações imortais
não existe um final
eu reencontro-me no todo
a leveza extrema da sua beleza cega-me
desejo transformar-me na sua invisibilidade
preciso sentir a multiplicidade de cores que ela recorda
à minha volta circula uma conversa sem palavras
um som que me acaricia e conforta o corpo que perdi
tudo é perfeito e vil
a fome atormenta o espaço onde outrora vivia o meu sangue
na ausência da matéria vejo a densidade do vazio
sinto a revolta da saudade e afugento a tristeza que encobre o brilho daquilo que existe
uma esfera transparente cai sobre as minhas mãos e mata a minha fome
mostra-me como tudo permanece
ensina-me a ser infinita
volto a sentir o pulsar interior do ser
deixo-me invadir por saudações imortais
não existe um final
eu reencontro-me no todo
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