03 junho 2015

A imortalidade do tempo na sede de um velho



Um copo azul está vazio em cima da mesa, os dedos geométricos da mão direita estremecem ao sentir o pulsar dentro do corpo. Por vezes acredita que o sangue desistiu de correr pelas veias translúcidas. Não é o medo da morte que invade a sua mente diaramente, é o fim do desejo de ser. A reflexão bloqueia os seus movimentos, e empurra o corpo para uma sucessão vazia de actos. Para quê prosseguir nas rotinas empoeiradas se nada mais existe além da mesa de madeira gasta e a cadeira que range a cada toque? É isto que ouve todos os dias.
Um acordar aos 70 anos espelhado na ideia que o sol é velho. A luz não surge pela imponência da coragem mas pela repetição mecância apoiada na cobardia da lógica; hoje deito-me amanhã levanto-me. Acompanhar os passos com os olhos torna estridente a miopia do passar do tempo. Onde começa a secura da retina? Todo o exterior que é visível agarra-se à sucessão das horas, assassinando ferozmente qualquer possibilidade de juventude.
O copo permanece em cima da mesa. As mãos envolvidas em ossos permanecem alertas à possibilidade de movimento. Em cada um dos minutos que passam não se lembra de como aquele azul esconde a possibilidade de matar a sua sede. A ausência de líquido ilude a capacidade que tem de alcançá-lo, preenchendo todo o vazio que estremece a cada ranger da cadeira.