13 junho 2018

a voz ressurge do barro


Há um tempo de readaptação que por vezes parece afogar-me numa ampulheta sem areia. 
Hoje senti que reentrei na dança dos ponteiros, como se tivesse afinado o meu compasso. A escrita volta a mim, como um amigo saudoso que nunca esteve realmente ausente, apenas adormecido numa hibernação essencial de maturação.
Toda a minha vida é escrever. Nada mais importa, e mesmo no silêncio da musa sinto-a fervilhar na minha alma. Tudo o que vivo, tudo o que vivi até este dia, este agora mecânico que dita 13 de Junho de 2018, me tornou neste corpo habitado por este espírito redesenhado pelas experiências passadas.

Sinto em mim a vida dos outros, a dança de um bailarino, a voz lírica numa ópera, a morte de alguém amado, o beijo dos apaixonados. E mais não vivo que a minha vida. Mas o que é viver? Cada segundo que me trouxe até aqui, recriou a minha existência como se vivesse na tela de um pintor, e eu respiro a cada toque de cor que preenche o meu ressurgimento.

Afasto de mim os medos empaturrados, vou deixá-los perecer de fome. O suco vital que me percorre apenas pode ser entregue à arte, e para isso alimento-me do perpectuar constante da roda que gira comigo ao sabor do cosmos.
Retiro das costas o peso das gárgulas, e voo livre sobre um manto de ondas invisíveis que vibram ao sentir o toque do meu corpo viajante. Nada me poderá fazer cair, pois a queda é eterna, um salto lento pelo espaço.