Há um tempo de readaptação que por
vezes parece afogar-me numa ampulheta sem areia.
Hoje senti que
reentrei na dança dos ponteiros, como se tivesse afinado o meu
compasso. A escrita volta a mim, como um amigo saudoso que nunca
esteve realmente ausente, apenas adormecido numa hibernação
essencial de maturação.
Toda a minha vida é escrever. Nada
mais importa, e mesmo no silêncio da musa sinto-a fervilhar na minha
alma. Tudo o que vivo, tudo o que vivi até este dia, este agora
mecânico que dita 13 de Junho de 2018, me tornou neste corpo
habitado por este espírito redesenhado pelas experiências passadas.
Sinto em mim a vida dos outros, a dança
de um bailarino, a voz lírica numa ópera, a morte de alguém amado,
o beijo dos apaixonados. E mais não vivo que a minha vida. Mas o que
é viver? Cada segundo que me trouxe até aqui, recriou a minha
existência como se vivesse na tela de um pintor, e eu respiro a
cada toque de cor que preenche o meu ressurgimento.
Afasto de mim os medos empaturrados,
vou deixá-los perecer de fome. O suco vital que me percorre apenas
pode ser entregue à arte, e para isso alimento-me do perpectuar
constante da roda que gira comigo ao sabor do cosmos.
Retiro das costas o peso das gárgulas,
e voo livre sobre um manto de ondas invisíveis que vibram ao sentir
o toque do meu corpo viajante. Nada me poderá fazer cair, pois a
queda é eterna, um salto lento pelo espaço.