22 junho 2018

Ao Pai


as lágrimas dançam em queda lenta
ouvem o respirar do teu pensamento
quando te entregavas à força vibrante das óperas

vejo-te ainda
encostado sobre a pele velha da poltrona
numa luta constante com as pálpebras

para onde ías
quando te rendias ao passar lento da luz
através das cortinas amarelas de fumo

oiço-te ainda
a gritar a voracidade canibal do passado
na firmeza altiva da tua postura incrédula

nas tuas mãos
a força estoica da existência livre
vivia
abraçada ao medo do desaparecimento

lembro-me dos sorrisos nostálgicos
que te recriavam na lembrança dos teus voos
eras imortal

as asas pendidas da tua força
continuam a pegar-me ao colo

sinto ainda
a ternura da tua existência
vivo em mim a tua imortalidade
perpectuando nas minhas costas o renascimento da coragem de voar